Engels: Princípios Básicos do Comunismo¶
O que é o comunismo?¶
É a doutrina das condições de libertação do proletariado.
O que é o proletariado?¶
É aquela classe da sociedade que tira o seu sustento única e somente da venda do seu trabalho e não do lucro de qualquer capital; Numa palavra, o proletariado ou a classe dos proletários é a classe trabalhadora do século XIX.
Como é que apareceu o proletariado?¶
Sempre houve classes pobres e trabalhadores, porém nem sempre houve proletários, eles surgiram com a revolução industrial, a invenção das máquinas a vapor, máquinas de fiar e do tear mecânico. Com o advento das fábricas e dos grandes maquinários o trabalho de manufatura e operação foi reduzido a algo manual e simples, sendo subsequentemente substituídos completamente pelas máquinas. Assim os operários se tornaram a classe proletária, aquela que nada possuí, e, por conta disso, são obrigados a vender o seu trabalho aos burgueses a fim de obter em troca os meios de existência necessários ao seu sustento.
Burguesia: A classe dos grandes capitalistas que, em todos os países civilizados, estão quase exclusivamente na posse de todos os meios de existência e das matérias-primas e dos instrumentos (máquinas, fábricas) necessários para a produção dos meios de existência.
Sobre a crise na revolução industrial¶
Com a revolução industrial criou-se os meios para multiplicar até o infinito a produção, num tempo curto e com poucos custos. O livre mercado fez com que mais capitalistas se lançassem na indústria, até que começou a se produzir mais do que podia ser consumido. A consequência disso foi que as mercadorias fabricadas não podiam ser vendidas e sobreveio uma chamada crise comercial. As fábricas tiveram que parar, faliram os fabricantes e os operários ficaram na miséria. Depois de um tempo o excesso foi sendo vendido e as fábricas voltaram a trabalhar, aumentando os salários e melhorando os negócios. Até que eventualmente voltava-se a produzir mais que o consumo e assim uma nova crise surgia, da mesma forma que a anterior. Assim a indústria tem oscilado quase regularmente entre épocas de prosperidade e crise, resultando em miséria para os operários, com uma agitação revolucionária geral e com o maior perigo para toda a ordem vigente.
Resultados da crise comercial¶
A crise deve ser instrumentalizada para provar os males do capitalismo e unir o proletariado afim de abolir a propriedade privada e estabelecer uma nova organização de sociedade, na qual toda a sociedade dirigirá a produção industrial de acordo com um plano estabelecido e segundo as necessidades de todos. Com isso, a capacidade infinita da indústria torna possível um estado da sociedade em que é produzido tudo o que é necessário à vida, libertando a população para se desenvolver e pôr em prática todas as suas forças e aptidões.
Sobre a propriedade privada¶
A propriedade privada surge no fim da Idade Média, quando foi criado na manufatura um novo tipo de produção que não se deixava subordinar à propriedade feudal e corporativa da altura. É como se os artesãos, percebendo que eles eram "únicos" e tinham o poder de barganha sobre as suas produções, acabaram criando a propriedade privada (os seus produtos). O senhor feudal podia até comprar deles os produtos, mas não ia conseguir impor o seu controle, pois eles não sabiam como produzir aquilo.
Mas esses artesãos acabam tomando o poder do senhor feudal e tornando eles mesmos o controle, numa nova ordem social onde eles detêm o poder econômico e político, agora na forma de barões, mestres de guildas e posteriormente donos de fábricas.
A exploração da indústria por singulares tem como consequência necessária a propriedade privada. A propriedade privada terá, portanto, igualmente de ser abolida e, em seu lugar, estabelecer-se-á a utilização comum de todos os instrumentos de produção e a repartição de todos os produtos segundo acordo comum, ou a chamada comunidade dos bens.
(Pelo que entendi a propriedade privada se refere à individualidade dos meios de produção, e ao aboli-la estamos utilizando as fábricas e a indústria de um modo geral para o bem de todos, distribuindo os produtos ao invés de vendê-los, ou distribuindo os lucros provenientes da venda.)
(Pode-se ler propriedade privada como capitalismo.)
Por conta disso a abolição da propriedade privada é a reivindicação principal dos comunistas.
Abolindo a propriedade privada¶
Até esse ponto da história não era possível abolir a propriedade privada. Porque antes não era possível produzir o suficiente para todos, com um excedente capaz de expandir o capital social e estender as forças de produção. Enquanto isso não era possível, sempre existiria uma classe dominante, direcionando os usos das forças produtivas da sociedade, e uma classe pobre e oprimida.
Mas agora isso é possível, pois há cada vez mais concentração de riquezas nas mãos de poucos burgueses, e proporcionalmente há cada vez mais camadas da sociedade caindo ao proletariado, com sua situação se tornando mais cruel e intolerável, em proporção com o aumento de riqueza da burguesia. Essa poderosa e crescente força de produção agora é capaz de suplantar a propriedade privada, e se faz absolutamente necessária.
Essa abolição nem sempre será pacífica, mesmo que desejável. Revoluções não são feitas de forma intencional e arbitrária, mas sim como uma consequência necessária perante condições que são independentes da vontade ou direção de partidos ou classes individuais. Mas o desenvolvimento do proletariado normalmente é suprimido com violência pelos oponentes do comunismo.
O curso da revolução¶
Sobretudo, a revolução irá estabelecer uma constituição democrática que viabilizará a dominação direta ou indireta do proletariado. Essa democracia seria inútil para o proletariado se não fosse usada imediatamente como um meio para avançar medidas direcionadas contra a propriedade privada e a favor do sustento do proletariado.
As principais medidas que surgem como resultado necessário das relações existentes são as seguintes:
- Restrição da propriedade privada por meio de impostos progressivos, altos impostos sobre heranças, abolição da herança por parte das linhas colaterais (irmãos, sobrinhos, etc.), empréstimos forçados, etc.
- Expropriação gradual dos grandes capitalistas, sejam eles latifundiários, fabricantes, proprietários de vias de transporte e todos aqueles serviços vitais que foram sendo privatizados, inclusive os novos, como o ecossistema digital. Isso se dará em parte pela concorrência da indústria estatizada, em parte, directamente, contra indemnização em papéis do Estado.
- Confiscação dos bens de todos os emigrantes (latifundiários e capitalistas em geral que fugiram para o estrangeiro, sabotando a economia) e rebeldes contra a maioria do povo.
- Organização do trabalho ou ocupação dos proletários em herdades (quintas, fazendas, ranchos) nacionais, fábricas e oficinas, pela qual se elimina a concorrência dos operários entre si e os fabricantes são obrigados, enquanto ainda subsistirem, a pagar o mesmo salário elevado que o Estado.
- Igual obrigação de trabalho para todos os membros da sociedade até a completa abolição da propriedade privada. Formação de exércitos industriais, sobretudo, para a agricultura. (Fazer burguês preguiçoso trabalhar).
- Centralizar todo sistema de crédito e da banca nas mãos do Estado por meio de um banco nacional com capital do Estado. Repressão de todos os bancos privados e todos os banqueiros.
- Multiplicação do número de fábricas, oficinas, caminhos-de-ferro e navios nacionais, cultivo de todas as terras e melhoramento das já cultivadas, na mesma proporção em que se multiplicarem os capitais e os operários que se encontram à disposição da nação. (Basicamente industrialição e reforma agrária)
- Educação de todas as crianças, em estabelecimentos nacionais e a expensas do Estado. Combinar a educação e o trabalho fabril.
- Construção de grandes palácios nas herdades nacionais para habitações coletivas das comunidades de cidadãos que se dedicam tanto à indústria como à agricultura, e que reúnam em si tanto as vantagens da vida citadina como as da rural.
- Destruição de todas as habitações e bairros insalubresr e mal construídos.
- Igualdade de direito de herança para os filhos ilegítimos e legítimos.
- Concentração de todo o sistema de transportes nas mãos da nação.
Estas medidas não serão empreendidas todas de uma só vez, mas uma vai arrastar a outra. Assim que o proletariado disferir o primeiro ataque contra a propriedade privada, naturalmente irá avançando nas pautas, concentrando cada vez mais nas mãos do Estado todo o capital, toda a agricultura, toda a indústria, todo o transporte, toda a troca.
Finalmente, quando todo o capital, toda a produção e toda a troca estiverem concentrados nas mãos da nação, a propriedade privada desaparecerá por si própria, o dinheiro tornar-se-á supérfluo e a produção aumentará tanto e os homens transformar-se-ão tanto, que poderão igualmente tombar as últimas formas de intercâmbio da antiga sociedade (o capitalismo).
Poderá esta revolução realizar-se apenas num único país?¶
Não. A grande indústria, pelo facto de ter criado o mercado mundial, levou todos os povos da terra a uma tal ligação uns com os outros que cada povo está dependente daquilo que acontece a outro. A revolução comunista não será, portanto, uma revolução simplesmente nacional; será uma revolução que se realizará simultaneamente em todos os países civilizados.
(Essa conclusão fazia sentido no período do capitalismo pré-monopolista que foi formulada, mas agora faz sentido dizer que países individuais conseguem alcançar o socialismo.)
Quais são as consequências da abolição final da propriedade privada?¶
O fim das classes sociais e de toda a violência, miséria e injustiça que ela gera. O pleno fornecimento de todos os materiais necessários para se ter uma vida digna, isso é, comida para todos, casa para todos, e lazeres para todos. A união do campo e da cidade, da agricultura e da indústria, e a elevação da capacidade humana. Todos os setores que hoje estão estagnados devido ao desinteresse do capital, serão desenvolvidos. Todos os trabalhadores que hoje se encontram ultra-especializados em uma tarefa específica serão emancipados, e participarão de todas as áreas da sociedade. A automação direcionada para o bem estar fornecerá a libertação necessária para florecer as aspirações de todos.
Que influência exercerá a ordem social comunista sobre a família?¶
O comunismo liberta a mulher do seu papel submisso ao homem. A relação de família fica realmente privada, sem interferência da sociedade.
Como se diferenciam os comunistas dos socialistas?¶
Engels descreve três tipos de socialistas: feudais, burgueses e democráticos. Socialistas feudais são aqueles que desejam voltar a um estado de monarquia e patriarcado anterior ao capitalismo, argumentando que este estado anterior da sociedade estava livre dos males atuais do capitalismo. Além de ser fantasioso e infundado, quando vêem o levante dos comunistas sempre se aliam com a classe burguesa dominante. Os socialistas burgueses são aqueles que desejam manter a sociedade atual, mas sem as mazelas que ela causa, resolvendo seus problemas a partir de medidas de beneficência e sistemas de reformas, enganosamente desejando reorganizar a sociedade ao mesmo tempo que conservam as bases da mesma. Estes socialistas burgueses terão de ser igualmente combatidos pelos comunistas, uma vez que trabalham para os inimigos dos comunistas e defendem a sociedade que os comunistas querem precisamente derrubar. Por fim, os socialistas democráticos são aqueles que desejam muitas das medidas listadas acima, porém não com o objetivo final do comunismo, mas apenas para abolir a miséria e fazer desaparecer os males da sociedade atual. Estes socialistas ou são proletários que ainda não estão suficientemente esclarecidos acerca das condições da libertação da sua classe, ou são os representantes dos pequenos burgueses, uma classe que até a conquista da democracia e das medidas socialistas dela decorrentes, sob muitos aspectos tem os mesmos interesses que os proletários. Por isso, os comunistas irão se aliar e se entenderem com estes socialistas, até trabalhando juntos, enquanto não se ponham ao serviço da burguesia dominante e não ataquem os comunistas.
Qual a atitude dos comunistas face aos restantes partidos políticos do nosso tempo?¶
Depende da situação do país. Nos países onde a burguesia domina, os comunistas devem se aliar aos partidos políticos que mais se aproximarem das pautas em defesa do proletariado. Nos países onde há um regime mais autoritário ou, no caso da Alemanha em 1841, monarquista, os comunistas devem se aliar aos burgueses para levá-los ao poder tão depressa quanto possível, para, por sua vez, os derrubar o mais depressa possível.
Os comunistas têm, portanto, de continuamente tomar partido pelos burgueses liberais face aos governos [autoritários] e apenas de se precaver de partilhar as auto-ilusões dos burgueses ou de dar crédito às suas afirmações sedutoras sobre as consequências benéficas da vitória da burguesia para o proletariado.
No momento em que o governo burguês vencer, começa a luta de classes.