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Trevor Bruttenholm

Intro

Era mais uma noite normal na Martim Trovador, os mesmos clientes cansados, a mesma cerveja velha, a mesma palhaçada sem graça dos rufiões, as mesmas mãos bobas com a atendente, e a mesma impotência do taverneiro cansado, que só podia observar a decadência acontecendo diante dos seus olhos.

O taverneiro limpava as canecas com seu pano velho, tentando se lembrar de como era a vida antes do Conde Vladislov chegar. Lembrava de serem tempos mais simples, os garotos aprendiam a pescar enquanto sonhavam em se tornarem guerreiros, e as garotas aprendiam a fiar enquanto sonhavam em se tornarem princesas.

"Agora parece que tudo foi para os infernos", ele resmunga para a caneca em sua mão. O rio verte vermelho e nauseabundo, o povo parece sempre doente, toda a pesca vai para os soldados do Conde e, como se não bastasse, crianças estão desaparecendo, sendo ouvidas na noite seguinte berrando de dor em algum lugar da Floresta Sombria.

O taverneiro é tirado do seu devaneio quando um homem alto, encapuzado, com uma armadura de couro preta e uma espada bastarda pendurada nas costas, entra no recinto. Pela qualidade da roupa e dos broches de prata que adornam sua vestimenta, o taverneiro logo percebe que aquele homem não é dali, e pode significar problemas.

O homem parece ignorar os olhos postos nele, e não parece perceber, ou se importar, que um grupo de soldados parou o que estavam fazendo para observá-lo em silêncio. Ele chega até o balcão, dá um suspiro e, mantendo a cabeça baixa e tapada pelo capuz, pede uma cerveja. O taverneiro percebe que o forasteiro exala um aroma incomum de ervas e cinzas.

Assim que o homem pega a caneca, um dos soldados se levanta de supetão, arrastando a cadeira para trás e encarando o forasteiro com um olhar de superioridade tola, comum em homens embriagados e inseguros. Um dos seus colegas parece tentar acalmá-lo, colocando a mão no seu braço e pedindo para ele se sentar, mas o homem liberta seu braço com um puxão e avança em direção ao balcão.

"Ei, Vozê ai! Não goztamo da sua laia por aqui, vaza! Ou vai dar ruim pra ti...", diz o soldado, com uma mão no punho da espada e a outra num caneco de cerveja, que balança tanto quanto ele. Ao chegar mais perto do forasteiro, porém, ele para em um sobressalto, arregala os olhos e grita: "(Deus do panteão) que nos protege! É um diabo! Olha o rabo dele!"

O que antes parecia ser um cinto vermelho de couro na cintura do homem encapuzado, agora balancava ameaçadoramente de um lado para o outro, saindo de dentro das suas calças. Hipnotizado de pavor, o soldado acompanha paralizado enquanto a ponta triangular e pontuda da cauda voa em sua direção, picando sua mão e o fazendo largar a caneca de cerveja, que desliza pela cauda, balança em um arco baixo e voa para cima, caindo perfeitamente nas mãos do encapuzado.

Com os olhos arregalados o soldado cai para traz, e vai se arrastando de bunda para longe do forasteiro, até bater em seus companheiros, que o ajudam a levantar e se recompor, sem tirar os olhos do homem que agora parece tomar com prazer a caneca de cerveja do seu amigo. Passado o momento inicial de choque, eles saem em disparada para a porta, berrando pelos seus superiores.

Com um misto de assombro e diversão, o taverneiro avisa que eles vão voltar, mas o demônio não parece preocupado. Entornando a caneca em goles longos, a cabeça para trás e o capuz agora caído, o homem de pele vermelha com manchas negras resmunga qualquer coisa, os olhos amarelos de gato cerrados de divertimento.

Ele esvazia a caneca, solta um "Ahh!", e bate ela na mesa, "Que venham, estou contando com isso" diz ele ainda com os olhos baixos. Ele então se levanta e vira para a porta, pega sua espada larga que tinha deixado encostada no balcão ao seu lado, coloca ela nas costas e, com o dedão, joga uma moeda de ouro para o taverneiro. "Pelas cervejas, fica com o troco."